Uruguai. Exemplo de simplicidade. Orgulho para o planeta.

Segundo a repercussão pela mídia mundial, você acredita que o presidente José Mujica é uma exceção à regra, um indivíduo isolado em seus devaneios, um pobre coitado idealista, ou um tipo em extinção na face da Terra? Ledo engano. Pepe Mujica é, na verdade, a representação de 3,3 milhões de pessoas. O retrato do comportamento de um povo inteiro e de como esse comportamento pode ser simplesmente refletido pelas urnas, com a sabedoria de um país que já sofreu as mais devastadoras guerras e crises econômicas que seriam possíveis para um povo sofrer. El uruguayo.

Eu fui ao Uruguai a trabalho e não tinha a menor idéia do que ia encontrar por lá. Todavia, o que eu encontrei foi tão contagiante que não posso deixar de contar para vocês aqui. Visitar o Uruguai é como voltar ao passado, viver uma época calma, simples e feliz. É um país sinônimo de recuperação, exatamente o que nós brasileiros mais precisamos nesse momento de tanta luta.

A grande maioria da população está concentrada em sua capital Montevidéu. Uma cidade linda! Junção de simplicidade com glamour. Passear por suas ruas é como desfrutar de uma melancolia gostosa, retrô, é como injetar cultura direto na veia. Fica à beira do grande delta do Rio de La Plata, ao sul das Américas e, por isso, possui as quatro estações do ano muito bem caracterizadas. Um outono intenso, no qual todas as folhas se amarelam e pintam a cidade inteira de romance. Em uma única semana elas caem, anunciando a chegada de um inverno dilacerante, onde o vento na cidade é tão forte e tão frio que machuca, castiga a alma. Mas, sempre tem a esperança da primavera que traz o tão aguardado verão e o país inteiro se reanima para aproveitar a vida.

Montevidéu é rodeada pela tradicional “Rambla”, o equivalente a orla marítima em espanhol. Um grande calçadão largo e comprido, em geral de pedras portuguesas, sempre paralelo à grande avenida que também margeia a cidade inteira e de onde se pode desfrutar de uma vista agradabilíssima da imensidão do Plata, bem ao seu lado. Muito gostoso e relaxante. Quanta saudade…

Eu “morei” por vários meses no apart hotel Punta Trouville que fica no bairro de Pocitos (também chamado de Biarritz), uma das zonas mais agradáveis de Montevidéu. Pocitos possui uma feira livre excelente onde eu e meus colegas de trabalho batíamos ponto religiosamente toda semana. Típica feira de artesanato de bairro, com quitutes tradicionais deliciosos e artigos de altíssima qualidade. Eu comprei várias botas e casacos deslumbrantes por lá, de ultíssima moda, legítimo couro uruguaio e com preços “a la Uruguay“, quase ‘de banana’.

Já o bairro mais animado de Montevidéu é o centro antigo, onde ficam vários monumentos históricos importantes, praças arborizadas, museus, igrejas, prédios públicos, etc. E onde fica também a jovem “Ciudad Vieja“, ponto de badalação total! O uruguaio é um povo definitivamente MUITO animado. Noitadas pelos botecos e boates das ruas de pedra da Ciudad Vieja sempre acabam de manhã, ainda lotadas. E não importa se é final de semana ou não, a farra é sempre grande.

Foto abaixo da Puerta de la Ciudadela, antiga porta espanhola de pedra, da entrada de uma cidade que já foi um dia uma verdadeira fortaleza, com direito a ponte levadiça, torres e canhões. Uma relíquia histórica orgulhosamente conservada por mais de 250 anos.

Outro ponto turístico excelente de Montevidéu é o Mercado Modelo. Nota 10. Parillada completa (foto abaixo), chorizo con pan y papas fritas, cerveza Patricia, pescado relleno, empanadas de jamón y queso, dulce de leche con pan de miel en alfajor Havana. Hum… Já estou com água na boca. Mas com água na boca mesmo fico ao degustar um vinho Tannat. Minha maior paixão! Que potencial, que corpo, que coloração e que sabor. De preencher por completo o paladar. Tannat, cujo nome se origina da palavra tanino, é a uva mais característica do Uruguai, sua marca registrada. Eu comi e bebi muito bem no Uruguai, tenho muito a agradecer!

Estava vivendo em Montevidéu quando a trilha sonora “Al otro lado del rio”, do filme “Diários de Motocicleta”, ganhou o Oscar de melhor música original. Coisa raríssima na América do Sul. Eu não dominava e não gostava nem um pouco da língua espanhola antes dessa minha temporada no Uruguai. Mas, devo dizer que músicas uruguaias como essa e várias outras, de tanta qualidade e beleza, mexeram com a minha alma de uma forma muito profunda, a ponto de me despertarem um gosto genuíno por esse outro idioma ibérico, além desse que vos escreve. Hoje eu adoro “hablar” e ouvir o espanhol, me alegra “mucho” o “corazon“. Detalhe que, no Uruguai e na Argentina, o idioma não é exatamente o espanhol, mas sim o dialeto castellano (lê-se: /castecháno/), ainda mais bonito!

Fiz vários passeios pelo Uruguai, além de Montevidéu. Uma cidade que vale muito a pena conferir, e que fica na estrada de carro para a Argentina viajando para o oeste, chama-se Colonia del Sacramento. Já na viagem você vai apreciando a vegetação dos pampas uruguaios, em geral rasteirinha e de uma geografia bastante plana. Colonia tem uma história interessantíssima. É a cidade que mais foi tomada e reconquistada no mundo, devido a sua posição estratégica. Doze vezes no total. Toda vez que seus muros eram derrubados por canhões, o atual conquistador reformava as fachadas seguindo seu próprio estilo. Estilo português, depois estilo espanhol, depois estilo português de novo, depois de volta ao espanhol, e por aí vai… Isso fez com que a cidade virasse uma verdadeira bagunça arquitetônica. O que a faz singular.

Já para o outro lado, viajando a leste de Montevidéu, fica aquele símbolo do país que todo mundo bem conhece, a tão famosa Punta del Este. Punta é um balneário turístico chiquérrimo, excelente, muito rico, situado num país de gente muito simples. Seu cassino atrai inúmeros turistas brasileiros que não podem jogar legalmente no Brasil. Possui uma marina para lá de elegante e praias de altíssima qualidade. Um verdadeiro oásis de primeiro mundo. O mar é calmo e sem ondas, a areia é grossa e escurecida, mas não deixa de ser extremamente agradável. Você vai se encantar pelo charme da cidade, com suas ruas cheias de classe, com shoppings e restaurantes de ponta e também com vários pássaros pela praia tomando sol na orla de pedras.

Foto abaixo do monumento “Ao Afogado”, que fica na Praia Brava.

Punta é sem dúvida o destino mais procurado do Uruguai. Eu recomendo muito a visita. Mas não se esqueça que o país ainda tem muitos outros lugares a oferecer, como Maldonado, Florida, Carmelo, Mercedes, a rota do vinho Tannat… Praticamente todos os dias saem excursões de Montevidéu para todas essas cidades que venho falando, incluindo para a minha tão querida Buenos Aires, bem vizinha, bastando pegar uma balsa e atravessar o Plata para ir visitá-la também (não deixe de ler o post sobre Buenos Aires nesse mesmo blog!).

Quero finalizar o tour pelo Uruguai adicionando a esse texto uma das experiências pessoais mais marcantes da minha vida. Em um dos finais de semana que eu e meus colegas tivemos folga do trabalho, resolvemos alugar um carro e desbravar a costa uruguaia até a fronteira com o Brasil. O passeio acabou sendo muito emocionante e surpreendente, o Uruguai nos abraçou tão completamente, que até hoje, essa é uma das viagens que eu mais tenho lembranças para levar dessa vida. E tenho certeza que o mesmo aconteceu com todos os cinco amigos que estavam naquele carro.

Antes de sair, tínhamos pego algumas dicas com uns colegas uruguaios e eles nos disseram para não deixar de visitar o povoado de Cabo Polonio.

Meu Deus! Que impressionante! Cabo Polonio foi com certeza o lugar onde mais nos divertimos naquela viagem imprevisível. O povoado fica numa reserva em que não podíamos chegar de carro. Então, já começamos a aventura pegando carona numa caminhonete engraçadíssima cheia de locais e turistas amontoados na caçamba (veja foto abaixo). Chegando lá, o visual era paradisíaco. Lugar super aconchegante, estacionado em algum tempo ideal do passado. Sem tecnologia, sem asfalto, sem nenhuma modernidade. Só com a simplicidade da vida boa e com o mínimo do que se necessita para ser feliz. E fomos. Fomos muito felizes aquele dia.

A mansidão do mar azul de Cabo Polonio é altamente contagiante. Combina perfeitamente com tudo ali a sua volta. Mas como se não bastasse a perfeição do mar, ao redor daquela cidadezinha frágil e pequena existe uma imensidão de dunas. Dunas de areia espetaculares, altamente convidativas. Brincamos como se fossemos crianças. Subíamos os imensos morros correndo incansáveis, gargalhando abestalhados para depois rolar duna abaixo feito salgadinho empanado. Festejávamos como se precisássemos aliviar um estresse que estava acumulado há anos em nossa vida adulta. Que divertido! Tenho certeza que foi ali que a amizade que sentíamos uns pelos outros se solidificou para sempre.

Depois de brincar horas nas dunas, voltamos para a cidade esganados de tanta fome. O povoado ainda por cima tem a excelência da gastronomia. Várias casas funcionam como restaurantes e têm especialidades a escolher. Escolhemos comer pescado assado na brasa, com Aquela saladinha básica, tomando cerveja numa mesa de praia com os pés já quase tocando na água. Recomendo essa terapia para todo mundo.

Até que ficou de noite e chegou a hora de partir. Estávamos anestesiados. Mal me recordo de como chegamos à cidade de Punta del Diablo para dormir numa pousada que já estava previamente reservada para nós. O vilarejo é de veraneio e estava lotado naquela época do ano. Lembro-me de termos saído pra jantar num restaurantezinho bem bacana perto da pousada, como tantos outros que existem ali.

De manhã fomos passear pela praia e fazer o nosso turismo. Também fiquei encantada com Punta del Diablo. Ô Uruguai que não pára de me surpreender! Uma graça de lugar, com um monte de casas super charmosas, numa praia deliciosa, também de mar muito calmo e bonito. Com uma areia muito branca e um canto com um monte de pedras arredondadas enormes, bem maiores que a gente, moldadas pelo eterno vai e vem das ondas. Ficamos ali conversando, rindo, explorando e tirando fotos por algumas horas. As fotos saíram lindas porque o lugar realmente ajudava muito. Na vila tinha também uma feirinha de artesanato local (que nunca pode faltar) com artigos que valem tanto quanto a lembrança de um momento. Punta del Diablo é, com certeza, um lugar ideal para se esquecer do inferno da vida urbana.

Almoçamos e seguimos nosso caminho mais uma vez, para o destino mais longínquo da nossa jornada. Aquele lugar cantado em nossos hinos e muito honrado de ser o extremo sul do nosso imenso país. É com o Chuí que eu também vou chegar ao extremo sul desse post.

Chuí é o maior barato. Em todos os sentidos! Uma cidade metade uruguaia, metade brasileira; metade Chuí, metade Chuy. Adoramos passear pelas ruas de comércio daquele lugar, tomando sorvete e desfrutando de seus preços de duty-free. Brasileiros como somos, compramos de tudo. Tênis Nike, perfumes franceses, remédios a preço de ponta de estoque, e por aí vai. O carro voltou abarrotado de muamba, com sacolas até sobre nossas cabeças. Mas nós não ligamos porque, ao contrário de como pensa aquele povo que nos hospedava, a única coisa que importava para nós era saciar o vício desenfreado pelo consumo.

Triste realidade. Consumimos o fútil deliberadamente, mesmo depois de ver com os próprios olhos como é possível ser feliz com simplicidade, sentindo como tudo o que precisamos é de muito pouco. Mesmo após desfrutar da sabedoria de todos aqueles lugares que tínhamos acabado de visitar, ainda assim, todas as lições que havíamos recebido do povo uruguaio não duraram por muitas horas, e infelizmente, não as trouxemos conosco na volta para casa.